sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Gírias do Som

Por Bruno Mariani.



      "- Posso ligar meu teclado pra passar o som?
      - Claro, conecte seu cabo nessa medusa aí do lado.
      - Falta peso! Pode abrir mais o retorno?
      - Não dá... vai ficar sobrando e gerar microfonia.
      - Então pede pro roadie trazer o in ear pra mim."



Na profissão de técnico de som, a quantidade de termos técnicos é tão grande que foi possível reuni-los em um dicionário. Mas nem isso foi suficiente para cobrir toda a gama de palavras utilizadas pelos profissionais do áudio. Isso porque boa parte dos diálogos cotidianos se baseiam em expressões de linguagem carregadas de subjetividade: as gírias!



Painel multicabos, vulgo medusa!


De fato, as palavras mais utilizadas no contexto do áudio e da música formam um vocabulário repleto de jargões que se traduzem numa linguagem totalmente nova, facilitando a comunicação entre os profissionais e gerando uma identidade própria às diversas tribos do universo sonoro e musical. Porém, pra quem não é do ramo, fica difícil compreender esse dialeto! O entendimento do significado dessas gírias e expressões exige alguma especulação filosófica.Vejamos...


Som Aveludado


Em áudio não há nada mais nobre que um som aveludado. É a característica conferida a uma sonoridade suprema, equilibrada, consistente, macia. Apesar da tentativa, as palavras não são suficientes para descrevê-lo. Como nas descrições de vinhos e cafés gourmets, a melhor maneira de entendê-las é experimentando!

Assim, minhas melhores referências de som aveludado são a voz de Norah Jones, o violão de João Gilberto e a voz do ex-mendigo Ted Williams.

Ted Williams: exemplo de voz aveludada.


Pode parecer delírio associar veludo, aquele tecido fofinho, a qualquer tipo de sonoridade. E é! Na verdade, o mais próximo que veludo pode chegar do som é no revestimento interior dos cases de instrumentos musicais! Mas apesar da subjetividade que carrega, a expressão é frequentemente usada por profissionais do áudio e da música. Basta citar Sólon do Valle, guru do áudio no Brasil, em sua obra "Microfones":

"Este grupo de instrumentos de sopro: flauta, piccolo, clarinete, oboé, fagote, corne inglês, clarone, etc, se caracteriza pelo som suave, tendendo para o aveludado."
" (...) Este tipo de microfone, de grande tamanho, foi celebrizado nos modelos 44-BX e 77-DX da RCA, usados em grande escala na era do rádio (anos 40 e 50) pela sua qualidade de som "aveludada" e baixa distorção."
Sólon do Valle.


Microfone Duro e Microfone Macio


E por falar em microfones, outra gíria bastante usual é a de se definir um microfone como "duro" ou "macio".

"Microfone macio é aquele fofinho na ponta, tipo almofadinha!"

Nada a ver, não viaja!


Um microfone é chamado de macio quando possui elevada sensibilidade de captação. Tal sensibilidade permite que mesmo os sons mais suaves, de pequeníssima intensidade, sejam captados com precisão pelo microfone, conferindo um alto grau de detalhamento ao registro sonoro. Por isso são os preferidos dos estúdios de gravação.

Por outro lado, essa elevada sensibilidade acaba por restringir sua aplicação em determinadas ocasiões, como no caso de um show a céu aberto, onde os ruídos do vento e da vibração do palco seriam todos captados, o que prejudicaria a qualidade final do som.

Os microfones condensadores (ou capacitivos) são os que melhor se enquadram no grupo dos macios, sendo eventualmente aparelhados com acessórios como "pop filterse "aranhas" para minimizar os ruídos indesejáveis do vento/sopro e das vibrações.


Microfone "macio" com "aranha" e "pop filter".
Ideal para captação de voz "aveludada".


Já um microfone "duro" se caracteriza pela sua robustez e direcionalidade. É o microfone mais comum, utilizado no dia a dia dos palcos e ensaios. Suporta altas pressões sonoras e é imune a ruídos de manuseio, mas não é capaz de captar sons de baixa intensidade. Por ser bastante direcional, consegue rejeitar sons e ruídos alheios à fonte sonora principal.

Shure SM58: esse aguenta porrada!



O uso dessa expressão é tão comum no meio técnico que chegou a ser cobrado em prova de concurso público. Foi no processo seletivo realizado em 2010 para o cargo de Operador de Cine, Foto e Som da Câmara Municipal de Passo Fundo - RS. Pedia-se para assinalar a alternativa incorreta:

Entende-se por microfone "duro":
(a) Resistente ao uso.
(b) Responde a baixas pressões sonoras.
(c) Extremamente direcional.
(d) Imune a ruídos de manuseio.
(e) Que suporta altíssimas pressões sonoras.


Salas


Em áudio, uma sala é qualquer ambiente fechado onde haja reprodução sonora. O curioso é que, para os profissionais, as salas são seres animados dotados de vida própria! Uma sala pode falar, vibrar, sentir, brilhar, viver, morrer, engordar, emagrecer, entre outras coisas! Mais um pouco e veríamos salas andando por aí!

Veja este trecho extraído do livro "Manual Prático de Acústica", de autoria do Professor Sólon do Valle:

"Uma sala cujo RT60 suba muito mais de 50% nos graves será "retumbante" ou "cavernosa". Se o tempo não subir nos graves, a sala soará "magra". Por outro lado, se não houver queda suficiente do RT60 nos agudos, a sala ficará "brilhante" demais ou "áspera"; e se a queda nas altas frequências for excessiva, teremos uma sala "abafada" ou "escura"."
Sólon do Valle.


Ou seja, a sala muda de personalidade conforme o som se comporta lá dentro! Esses conceitos, ou melhor, gírias associadas à sonoridade de uma sala são de difícil compreensão, pois apresentam um caráter altamente subjetivo. Note que o autor lança esses termos de maneira muito natural, sem se preocupar em definí-los, partindo do princípio de que é uma linguagem conhecida pelos profissionais de áudio.

Enfim, por mais abstrato que seja, me arrisco a explicar tecnicamente o significado de alguns desses termos:

Sala morta - ambiente cujos materiais de revestimento das superfícies (paredes, chão, teto) apresentam alto índice de absorção acústica, o que minimiza as reflexões do som e confere à sala uma sonoridade de pouca ou nenhuma reverberação.
Sala morta!

Sala viva - ambiente que se caracteriza pelo baixo índice de absorção acústica, de modo que a maior parte do som é refletida pelas superfícies da sala.
Sala viva.
Fonte: http://www.byknirsch.com.br/artigos-06-01-salaviva2.shtml

Sala brilhante ou áspera - onde predominam as altas frequências, ou seja, ouve-se agudos em excesso.
Sala abafada ou escura - ausência de médios e agudos, pouca definição.
Sala retumbante ou cavernosa - onde predominam as baixas frequências, com excesso de graves, grande amplitude e profundidade. 
Sala magra - deficiente nos graves, tipo "carro da pamonha"!



Enfim, a lista de gírias do áudio e da música é imensa e não caberia ficar aqui divagando sobre todas elas! Então convido o leitor a complementar este artigo deixando registrado nos comentários as gírias mais usadas no seu dia a dia de músico ou técnico. Vou ficando por aqui, pois o "batera" está lá no "aquário" esperando uma "cama" em Fá menor pra poder gravar o "take".


Leia também: