Por Izabel Freitas.
Oi! Eu sou a Izabel, esposa do Bruno. Pra quem imaginou que ele é casado com alguém do time da música e tecnologia, vou logo avisando que o mais próximo que cheguei de um "
grave em casa" foi uma fita k7 que eu e minha irmã gravamos, quando descobrimos a utilidade da tecla REC do rádio gravador. E nem gravamos músicas, era a narração de vários livros infantis que tínhamos, com direito a voz diferente para cada personagem. :)
Enfim... Mesmo com toda essa experiência que tenho no assunto, o Bruno me convidou para escrever um artigo pro blog e, antes que eu perguntasse se ele estava doido, fui avisada de que seria sobre canções infantis! Ah tá, disso eu sei!
Agora que temos nosso pequeno Miguel, esse assunto tem nos intrigado bastante porque, vira e mexe, no meio do chororô ou da brincadeira, nós, ou as vovós, vovôs e titios, desenterramos músicas que embalaram nossa infância e que têm um teor, digamos, sinistro!
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Sinistro! |
Vejamos as clássicas:
"Atirei o pau no gato-to-to, mas o gato-to-to não morreu-reu-reu. Dona Chica-ca-ca admirou-se-se, com o berro, com o berro que o gato deu!"
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Miau! |
Covardia com o bichinho! Se aparecesse no facebook, rapidinho ia rolar corrente para descobrir quem era o malfeitor.
"O cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada. O cravo saiu ferido e a rosa despedaçada. O cravo ficou doente, a rosa foi visitar. O cravo teve um desmaio e a rosa pôs-se a chorar."
Parece o programa da
Marcia Goldschmit +
Maria do Bairro. Muito drama e lavagem de roupa suja, alem de violência doméstica. O cravo deve ser enquadrado na
Lei Maria da Penha!
"Nana neném, que a Cuca vem pegar. Papai foi pra roça, mamãe foi passear".
Meu primo Sergio, de 5 anos, ao ouvi-la, pediu para a tia: "Não canta essa, que eu tenho sonho ruim!". Bonitinho! Refletindo sobre o teor das músicas.
"Marcha soldado, cabeça de papel, quem não marchar direito vai preso pro quartel. O quartel pegou fogo, a polícia deu sinal. Acode, acode, acode a bandeira nacional."
Assédio moral, ameaças e tragédia! Esse eu nem comento porque envolve os militares.
"O fulano roubou pão da casa do João. Quem? Eu? Eu não! Foi o ciclano!"
Calúnia, um ladrão e um dedo-duro. Todo mundo já viveu isso. Uma dose de realidade para as nossas crianças.
Pobre sambalelê, alem de estar doente, sofre violência física e psicológica. Triste e sério (e isso não é ironia, nem assunto para brincadeira).
"Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta."
Essa me causou traumas!Eu tinha 4 anos e uma babá má cantava pra mim e dizia que o boi, o lobo e a cuca estavam no telhado e me buscariam, caso eu não dormisse logo. Os três! Ui!
Uma que eu adorava e o Bruno também:
"Lá vem o pato pata aqui, pata acolá. Lá vem o pato para ver o que é que há. O pato pateta pintou o caneco, surrou a galinha, bateu no marreco, pulou do poleiro no pé do cavalo, levou um coice, criou um galo. Comeu um pedaço de genipapo, ficou engasgado, com dor no papo, caiu no poço, quebrou a tigela. Tantas fez o moço que foi pra panela!"
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Juro que penso em virar vegetariana quando ouço história de bichinhos fofinhos que vão para a panela. |
E a minha mãe sempre canta essa, que eu nunca tinha ouvido e me deixou espantada com tamanha violência e nenhuma explicação:
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"Lá na rua 24, a mulher matou um sapo, com a sola do sapato!" |
Numa dessas cantorias, minha irmã
Daniela (memória de elefante) lembrou de outra, pior ainda, que a gente cantava para brincar tipo "andoleta":
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"Lá em cima do piano, tem um copo de veneno, Quem bebeu morreu, o azar foi seu!" |
E poderia citar várias outras:
"Ciranda, cirandinha (...). O anel que tu me desta era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou."
"A canoa virou por deixarem-na virar. Foi por causa do fulano que não soube remar."
"Se essa rua, se essa rua fosse minha (...). Nessa rua, nessa rua tem um bosque, que se chama, que se chama solidão. Dentro dele, dentro dele mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração."
O que eu penso sobre tudo isso? Acho muito engraçado e fico tentando imaginar qual seria a intenção de quem criou essas letras. Sinceramente, cresci ouvindo e cantando essas canções e elas não influenciaram negativamente no meu caráter. Tenho até lembranças muito boas de momentos em que cantava e dançava, com minha irmã e primas, ao som dessas cantigas!
Apesar disso, confesso que, depois de refletir sobre as letras, não gosto de cantar nenhuma delas para o Miguel. Penso que não acrescenta nada na vida dele ouvir coisas assim. Então, substituo por outras músicas ou faço adaptações para que as memórias da infância dele sejam recheadas de músicas, como as minhas são, mas as canções dele serão mais felizes e menos trágicas! Exemplos:
"Não atire o pau no gato-to-to, porque isso-so-so não se faz-faz-faz. O gatinho-nho-nho é nosso amigo-go-go. Não devemos maltratar os animais! Jamais!"
"Sambalelê tá doente, tá com a cabeça quebrada, Sambalelê precisava, é de umas boas risadas....".
"Nana neném, vamos cochilar. Papai foi pra roça, mamãe foi passear."
"Boi, boi, boi, boi da cara preta, lambe esse menino que tem medo de careta. Boi, boi, boi, não lambe ele não! Porque ele não gosta de baba de boi não."
E haja criatividade!!
Por fim, deixo uma reflexão sobre a nova geração, que tem músicas e programas de televisão politicamente corretos, mas, muitas vezes, não tem pais presentes, amigos de carne e osso, brincadeiras de criança e tempo para ser feliz: não importa a inocência da canção, importa a inocência da infância!
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Izabel Freitas é Assistente Social, colaboradora e revisora do Grave em Casa e, desde que o Miguel nasceu, iniciou sua carreira de cantora e compositora de músicas infantis.